A Menina dos fósforos
Em certo ponto a menina sentou-se encolhidinha rente a uma parede e
cruzou os pés debaixo da saia. Nada adiantou. Sentiu-se mais enregelados ainda.
Como não tivesse vendido nenhum fósforo não se animava a voltar para casa. Sem
dinheiro no bolso estava proibida de aparecer lá.
Seu pai com certeza que a surraria – além disso, o frio era lá tanto como ali.
Uma casa velha, de teto esburacado e paredes rachadas por onde o vento entrava
zunindo.
Suas mãozinhas começaram a perder os movimentos.
Teve uma ideia: acender um daqueles fósforos para aquecer os dedos
entanguidos. Assim fez. Riscou um fósforo na parede – chit! Que luz bonita e que
agradável quentura! O fósforo queimava qual velinha, com a chama defendida do
vento pela sua mão em concha. Que bom! A menina sentia como se estivesse
sentada diante dum grande fogão, com ferro para mexer as brasas e uma caixa de
lenha ao lado. Tão agradável aquele calorzinho do fósforo, que ela espichou o pé
para que também aproveitasse um pouco- mas nisto a chama foi morrendo e afinal
apagou-se. Só ficou em sua mão um toquinho carbonizado.
A menina riscou outro fósforo, e à luz dele a parede da casa estava
encostada tornou-se transparente como um véu, deixando ver tudo se passava lá
dentro. Estava posta uma grande mesa, com toalha alvíssima e prataria de
porcelana; no centro, um ganso recheado de maçãs e ameixas, que recendia um
perfume delicioso. De repente o ganso ergueu-se da travessa e, ainda com a faca e
o garfo de trinchar espetados no papo, veio na direção dela.
Nisto o fósforo apagou-se e tudo desapareceu. A menina riscou outro fósforo,
e imediatamente se achou sentada debaixo da mais bela árvore de ponta dos
galhos, e os enfeites dependurados pareciam olhar para ela. Mas esse fósforo
também foi se apagando, e à medida que ia se apagando a árvore de Natal ia
crescendo, e as velinhas subindo até ficarem como estrelas no céu. Uma delas caiu,
traçando um longo risco de luz.
- Alguém está morrendo, pensou a menina com a ideia em sua avó. A boa
velhinha fora a única pessoa na vida que lhe dera amor, e costumava dizer que
quando uma estrela cai é sinal de que alguém está morrendo e com a alma a ir para
o céu.
A menina acendeu outro fósforo – e desta vez o que apareceu foi sua própria
vovó, brilhante como um espírito e com o mesmo olhar meigo de sempre.
- Vovó! Exclamou ela. Leve-me consigo! Eu sei que a senhora vai sumir-se
quando este fósforo chegar ao fim, como aconteceu com o ganso recheado e a linda
árvore de Natal…
- Vovó! Exclamou ela. Leve-me consigo! Eu sei que a senhora vai sumir-se
quando este fósforo chegar ao fim, como aconteceu com o ganso recheado e a linda
árvore de Natal…
E para que isso não acontecesse, a menina tratou de acender um fósforo
atrás do outro, sem esperar que a chama morresse. Era o meio de conservar a vovó
perto de si.
E os fósforos foram ardendo com luz brilhante como a do dia, e sua vovó
nunca lhe apareceu tão bela, nem tão grande. Foi-se chegando, tomou e netinha
nos braços e com ela voou, radiante, para onde não há neve, nem frio mortal, nem
fome, nem cuidados – para o céu.
No outro dia encontraram o corpo da menina entanguido na calçada, com as
faces roxas e um sorriso feliz nos lábios. Havia morrido de fome e frio na última noite
daquele dezembro.
O sol do novo ano veio brincar sobre o pequenino cadáver. Em sua mãozinha
rígida estavam ainda os fósforos que não tivera tempo de acender. Os passantes
olhavam e diziam: “A coitada procurou aquecer-se com os fósforos”, mas ninguém
suspeitou as lindas coisas que ela viu, nem o deslumbramento com que começou o
ano novo em companhia de sua avó.
atrás do outro, sem esperar que a chama morresse. Era o meio de conservar a vovó
perto de si.
E os fósforos foram ardendo com luz brilhante como a do dia, e sua vovó
nunca lhe apareceu tão bela, nem tão grande. Foi-se chegando, tomou e netinha
nos braços e com ela voou, radiante, para onde não há neve, nem frio mortal, nem
fome, nem cuidados – para o céu.
No outro dia encontraram o corpo da menina entanguido na calçada, com as
faces roxas e um sorriso feliz nos lábios. Havia morrido de fome e frio na última noite
daquele dezembro.
O sol do novo ano veio brincar sobre o pequenino cadáver. Em sua mãozinha
rígida estavam ainda os fósforos que não tivera tempo de acender. Os passantes
olhavam e diziam: “A coitada procurou aquecer-se com os fósforos”, mas ninguém
suspeitou as lindas coisas que ela viu, nem o deslumbramento com que começou o
ano novo em companhia de sua avó.
Novos contos de Andersen.
Tradução e adaptação de Monteiro Lobato.
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