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Os Leões Devoradores de Homens


Sombra e Escuridão, os Leões Devoradores de Homens

Essa é a história dos leões de Tsavo que começa em março de 1898, quando trabalhadores indianos liderada pelo tenente-coronel britânico John Henry Patterson chega ao Quênia para construí uma ponte sobre o rio Tsavo, como parte do projeto de trem Quênia-Uganda. Poucos dos homens na ferrovia sabiam que o próprio nome era um aviso. Tsavo significa" lugar de matança "na língua local.

O livro do Cel. Patterson tornou-se de imediato um best-seller e foi reeditado duas vezes ainda em 1907, todos os anos de 1908 a 1914, e depois em 1917 e 1919. Isso deve ter-lhe rendido um bom dinheiro, e Patterson ainda vendeu em 1924 as peles e os crânios dos leões ao Field Museum de Chicago, por cinco mil dólares. É lá que os leões estão atualmente.

John Henry Patterson (1867-1947) nasceu na Irlanda e entrou para o Exército Britânico aos 17 anos. Lutou na Guerra dos Boers e na 1ª. Guerra Mundial, e deixou o exército em 1920 após 35 anos de serviço. Passou seus últimos anos na Califórnia junto com a esposa Francis, onde ambos faleceram. Apesar de protestante, foi um grande defensor do Sionismo, seu corpo foi cremado e as cinzas enviadas para Israel.

Patterson foi comissionado em 1898 pela Companhia Britânica da África do Leste para supervisionar a construção da ponte ferroviária sobre o rio Tsavo, e chegou à Mombasa, na costa, em 1º. de março. Viajou o mais depressa que pôde para Tsavo, a mais de 160 quilômetros da costa, onde encontrou uma paisagem de árvores baixas e esquálidas, espessa vegetação rasteira e espinheiros.

Esta ferrovia iria se estender de Mombasa na costa do atual Quênia até o Lago Victoria, e dali seguiria até o país vizinho, Uganda. Chamada de Uganda Railroad o empreendimento logo recebeu um apelido: "Ferrovia dos Lunáticos". Muitos diziam que ela virtualmente ligava "o nada, a lugar nenhum", e sua construção era um verdadeiro pesadelo, dificultando imensamente pelas condições do solo, do clima e do relevo.

Apesar disso, a construção da ferrovia tinha uma série de propósitos legítimos. Naquela época, a única rota para o interior do continente africano tinha de ser feita à pé. Havia muitas mercadorias agrícolas que poderiam ser transportadas através de uma linha férrea do interior para a costa a fim de ser em seguida distribuída para todo o mundo. Além disso, levar produtos (e comércio) ao interior da África, geraria um novo mercado consumidor de todo tipo de produto. Um transporte ligando a costa do Quênia ao interior também permitiria uma colonização mais eficiente. Missionários religiosos estavam interessados em levar a "palavra de Deus" aos povos do interior e as dificuldades da jornada por terra eram um constante empecilho  Finalmente, havia o incômodo problema do tráfico de escravos. Muitos acreditavam que a chegada da ferrovia encorajaria
pessoas ligadas a captura de escravos a buscar outras atividades.

A construção da ferrovia permanece como um dos maiores feitos de engenharia do final do século XIX. Suas 580 milhas de trilhos cruzam o Vale do Great Rift, diversos rios, e alguns dos terrenos mais inóspitos que se possa imaginar. A construção se iniciou em 1896, e chegou a Nairobi em 1899.

Boa parte da mão de obra empregada no empreendimento foi suprida por operários vindos da Índia, colônia sobre o controle dos Britânicos. Esses trabalhadores comumente chamados de "Coolies" à princípio não se saíram muito bem na função. Dizem que a vasta maioria dos operários (mais de 60%, segundo alguns historiadores) acabaram sucumbindo a doenças e acidentes. A maioria dos que sobreviveram acabaram se estabelecendo no Quênia, formando uma expressiva comunidade de indianos que existe até hoje na atual África ocidental.


A Incrível História


O ano era 1898. O projeto de colocação dos trilhos da Uganda Railway havia chegado, e avançado até o rio Tsavo em meados de fevereiro. Uma ponte temporária foi erguida sobre o rio para que a construção de uma ponte definitiva
pudesse ser realizada da maneira mais rápida possível. O trabalho era responsabilidade do Coronel John Henry Patterson. A ponte deveria ter aproximadamente trinta metros de comprimento, era um projeto ambicioso, de suma importância.

Patterson, era um homem jovem e idealista com pouco mais de trinta anos, que havia trabalhado na Índia na supervisão de alguns projetos de engenharia civil. Há alguns que duvidam se Patterson era realmente o arquiteto responsável pelo desenho da ponte, citando a pouca experiência dele no assunto e a ausência de documentos com o seu nome. Evidências, no entanto, sustentam que se ele não era o arquiteto, Patterson tinha uma importante participação no projeto.

De qualquer maneira, ele chegou a Mombasa em primeiro de março de 1898, sabendo que sua função era construir uma ponte em um trecho da Uganda Railway. Uma semana depois, ele recebeu ordens de seguir para Tsavo, e supervisionar a obra.

O trabalho começou assim que ele chegou ao local. Um dos maiores desafios na construção de uma ponte desta natureza é encontrar pedras adequadas para estabelecer as fundações. O material foi encontrado a cerca de três milhas, e foi necessário colocar em funcionamento um ramal secundário de trem para trazer o material até Tsavo. As fundações demandaram um bom trabalho, sendo necessário construir uma pequena represa que possibilitasse escavar o leito do rio. Apesar das dificuldades, o trabalho progredia dentro do cronograma.



Poucos meses depois da chegada do Coronel Patterson, estranhos rumores começaram a circular entre os trabalhadores. Alguns operários simplesmente haviam desaparecido depois de se embrenhar na mata para realizar alguma tarefa. Na ocasião chegou-se a cogitar que leões podiam ser responsáveis, mas Patterson não acreditou nos boatos. Mas a despeito disso, homens continuam desaparecendo o que forçou o Coronel a investigar mais a fundo o caso.


Uma pequena expedição liderada por Patterson descobriu os restos horrivelmente mutilados de dois operários em uma área isolada a apenas 800 metros do acampamento. Os rastros indicavam que não apenas um, mas dois grandes leões, eram os responsáveis pelas mortes. Nessa mesma expedição, um dos grandes felinos foi visto, mas as tentativas de alvejá-lo falharam. "O animal simplesmente desapareceu, como se fosse uma sombra entrando na escuridão" escreveu o Coronel.

Patterson ordenou que fossem construídas bomas (cercas de espinhos tradicionalmente erguidas por tribos africanas para manter predadores afastados) ao redor dos acampamentos, e que tochas fossem acesas toda noite para afastar os leões. Mas as medidas não surtiram efeito. Os leões literalmente ignoraram os obstáculos e fizeram mais uma vítima, dessa vez um homem que transportava água e foi atacado a pouco mais de 300 metros do acampamento.

O verdadeiro pânico se instalou quando certa noite, uma das feras rastejou por baixo da boma e entrou numa das tendas onde catorze trabalhadores dormiam. A fera derrubou a tenda, um dos homens foi morto e outro operário indiano gravemente ferido no ombro com uma mordida. A fera conseguiu escapar arrastando sua presa para fora do acampamento. Alguns homens chegaram a testemunhar o enorme felino arrastando o corpo do trabalhador aos gritos, o que causou enorme comoção. O moral despencou e o medo se espalhou ao longo dos acampamentos. Patterson determinou que fossem construídas casamatas com quatro metros de altura guarnecidas de iluminação onde atiradores ficariam à postos toda noite. Mais bomas foram construídas para restringir a aproximação das feras e armadilhas foram espalhadas por caçadores tribais contratados junto às tribos.

Mas as medidas não surtiram efeito. O mesmo leão atacou a tenda hospitalar do acampamento, onde o operário que havia sido ferido estava sendo tratado. A fera matou o sujeito e feriu outros dois homens até ser espantada com tiros. Para muitos, o leão havia retornado para terminar o seu trabalho. Ninguém estava seguro! Os supersticiosos diziam que a fera era na verdade um Espírito da Morte, que uma vez tendo marcado sua vítima, retornaria quantas vezes fosse necessário para levá-la. Para outros, a construção estava amaldiçoada e os homens brancos não eram bem vindos a Tsavo.

Foi decidido que o melhor seria mudar a tenda hospitalar de lugar. Ela foi movida para o centro do acampamento onde havia relativa segurança. Mas logo 
na noite seguinte, um leão atacou a tenda e matou um enfermeiro. O pobre coitado foi arrastado para a selva e a equipe de caçadores que seguiu os rastros encontrou a cabeça do homem e a parte inferior de seu corpo na mata. A tenda hospitalar foi movida mais uma vez, uma cerca de espinhos ainda maior e mais reforçada foi erguida ao redor dela como proteção.

Em 23 de abril, Patterson colocou em ação um plano para abater os leões. Ele determinou que um vagão de trem fosse colocado em uma área fora do campo; um bode e uma cabra foram então amarrados na entrada como isca. Patterson e o médico ficaram no alto do vagão de guarda toda noite, armados com rifles. A idéia era que quando o leão entrasse na área um deles fechasse passagem prendendo o animal. A paciência dos dois foi recompensada quando um dos leões adentrou a armadilha. O médico no entanto se antecipou e disparou, mas o tiro passou longe do alvo. Patterson imediatamente fechou a armadilha prendendo a fera dentro da boma. Ele conseguiu fazer um disparo e atingiu de raspão a fera - na ocasião o coronel contou ter acertado a boca do animal e arrancado um de seus dentes, o que se descobriu ser verdade mais tarde. O felino soltou um rosnado assustador "o tipo de som desafiador de uma fera acuada" e saltou por cima da boma que tinha mais de 3 metros.

Depois disso, as coisas saíram de controle. Os trabalhadores esperavam que o Coronel matasse a fera e quando ele falhou muitos se desesperam. A cada dia mais operários desertavam, alguns roubavam suprimentos e equipamento antes de fugir. O trabalho também não progredia. Com os nervos à flor da pele, Patterson se desentendeu com um dos capatazes, um homem que segundo dizem usava um chicote para forçar os operários a trabalhar. Patterson chegou a trocar socos com o homem depois de flagra-lo usando a chibata. O incidente correu pelo acampamento em diferentes versões, algumas afirmando que o Coronel havia agredido o sujeito sem motivo.

A insatisfação chegou a tal ponto que um grupo de trabalhadores decidiu que a culpa de toda a tragédia reside nos ingleses, sobretudo Patterson. A única forma de apaziguar a fúria dos animais era matar o maior número possível de estrangeiros e entregar o Coronel às feras. O plano era capturar o Coronel quando ele estivesse saindo de seu escritório e levá-lo até a floresta, onde planejavam amarrá-lo a uma árvore.

Felizmente, a informação chegou a um de seus homens de confiança de Patterson que o avisou a tempo de que um atentado estava sendo planejado. Apesar de tomar medidas para se proteger, o Coronel chegou a ser emboscado por um bando usando máscaras tribais, armados com facões e lanças. Por pouco ele conseguiu escapar do ataque, alvejando mortalmente um dos assassinos com seu revólver Webley e capturando outros dois. A polícia de Mombassa interrogou os prisioneiros e estes entregaram os chefes do complô.

Após o incidente na armadilha do vagão de trem, os leões desapareceram por alguns meses e uma aparente normalidade retornou ao canteiro de obra. Mais trabalhadores foram contratados e o serviço progredia. Durante esse tempo foram tomadas providências para manter a segurança - cercas, casamatas, torres de vigilância e uma patrulha de homens armados vigiavam o perímetro. Essa foi apenas uma calmaria antes da tempestade de sangue que viria a seguir.

No fim de setembro os leões retornaram. Um operário desapareceu depois de se afastar sozinho além da área protegida. Um dos guardas disse ter visto a fera, mas não teve tempo de acertar um tiro. O rosnado das feras podia ser ouvido fora da boma, mas as expedições de caça, comandadas por Patterson não encontravam nada. Mesmo assim o Coronel fazia essas incursões, acompanhado de seus rastreadores tribais toda noite. No acampamento, os homens rezavam para afastar os espíritos, a "Sombra e a Escuridão" como passaram a ser chamados.

Em 20 de outubro, enquanto o grupo estava longe, as feras atacaram o acampamento. Os dois leões de uma só vez apareceram "como por magia", entre as barracas comunais. O primeiro homem foi morto em silêncio, mas outro despertou a tempo de ver a fera se aproximando e deu o alerta. Houve correria e em meio a confusão um bando de coolies escalaram uma árvore onde esperavam escapar dos leões. Mas a árvore não aguentou o peso e partiu derrubando todos que estavam no alto. Os leões não se importaram e atacaram ferozmente. No fim havia oito vítimas e os leões sumiram tão rápido quanto havia surgido, sem deixar vestígios. Os guardas foram acusados de ter relaxado na vigilância e quando Patterson chegou se deparou com o caos que havia se formado.

Os caçadores que o acompanharam até a selva, entre os quais um respeitado caçador da tribo Massai, desertaram, dizendo que aqueles não eram animais normais: "São devoradores de homens, feras que caçam e matam por prazer, não para se alimentar! Eles tomaram o gosto pela caça e pela carne dos homens e nada mais vai satisfazê-los".

Os leões se tornaram cada vez mais ousados. Certa noite enquanto Patterson estava na selva procurando por eles, um dos poucos caçadores que ainda restava sumiu sem deixar vestígios. Eles o procuraram até o amanhecer sem encontrar nada. Ao tomar o caminho de volta para o acampamento, descobriram seu corpo mutilado à beira da estrada. Era como se os animais de alguma forma soubessem que Patterson era seu inimigo e estivessem fazendo um convite para que ele tentasse agarrá-los. "Leões não se comportam dessa maneira" escreveu Patterson em tom de desabafo a um amigo, "eles sequer comeram o pobre diabo, simplesmente o mataram e abandonaram seu corpo onde nós poderíamos encontrá-lo no caminho de volta".

Em primeiro de dezembro, os trabalhadores decidiram parar de trabalhar. Um deles comunicou ao Coronel que eles não seriam mais "comida para leões ou demônios". Assim que o ultimato foi entregue, os operários deitaram na frente de um trem e quando este parou escalaram seu teto e ocuparam qualquer lugar vago. O projeto de construção foi interrompido. Apenas um pequeno número de operários decidiu ficar para trás, mesmo assim passaram a dormir no alto de árvores, nas caixas d'água ou em fossos escavados no chão cobertos de toras de madeira.

Em três de dezembro um supervisor da companhia chegou a Tsavo para avaliar a situação. "Era como adentrar uma cidade fantasma, os homens estavam apavorados, o medo em seus olhos era perceptível" escreveu em seu relatório. Ele trouxe consigo vinte homens armados com espingardas e rifles para auxiliar na caçada. Animado com a ajuda Patterson tentou usar novamente o vagão de trem como armadilha. Ele mandou que fossem soldadas barras de ferro no fundo do vagão onde os homens armados aguardariam os leões quando estes viessem atrás de uma isca colocada na entrada. Um mecanismo fecharia a porta para que o leão ficasse preso no interior do compartimento. O plano funcionou, mas não da maneira como o Coronel esperava. Um dos leões entrou no compartimento e a porta barrou a sua fuga, mas os três homens atrás da barra ficaram tão aterrorizados diante da fera que não conseguiram acertar um único disparo. Mais de quinze tiros foram disparados no pequeno compartimento e nenhum deles chegou a ferir a besta. Por fim, o leão conseguiu escapar derrubando a porta.

O episódio reforçou a aura sobrenatural sobre as feras. Os homens juravam que algo protegia os leões, uma força maligna, que impedia que os animais fossem atingidos, mesmo por disparos feitos à queima roupa. Um dos atiradores envolvidos teria se suicidado dias depois saltando do alto da ponte em construção para o rio turbulento. Logo, o supervisor e os homens partiram, sem oferecer uma solução para o caso. Patterson estava sozinho novamente.

Os dias seguintes foram de apreensão. Com menos presas, os leões sem dúvida seriam atraídos para o acampamento. Os homens queimavam grandes fogueiras durante a noite para manter os felinos afastados e jamais se afastaram sozinhos. Patterson entregou uma arma para cada grupo de cinco homens e disse que deveriam atirar ao primeiro sinal de perigo. Em pelo menos três oportunidades os leões se aproximaram do acampamento, em uma delas chegaram a entrar nas tendas vazias. O Coronel chegou a relatar em seu diário que as feras estavam próximas o bastante para ele ouvi-las rondando do outro lado da boma.

A morte do primeiro leão, 9 de dezembro 1898. Pela manhã os leões haviam atacado um dos acampamentos, mas só conseguiram matar um burro. Ao seguir os rastros, Patterson descobriu um dos leões escondido em um espesso matagal. Reunindo um bando de trabalhadores indianos, fez com que avançassem em direção ao matagal, produzindo grande barulho com latas e gritos. Patterson colocou-se do lado oposto e aguardou. Como esperado, o leão, perturbado pela barulhada crescente, abandonou o burro morto e fugiu exatamente na direção do caçador. Patterson fez cuidadosa pontaria e puxou o gatilho, mas o rifle, que recebera emprestado recentemente, falhou. O susto foi grande e Patterson esqueceu-se de disparar o cano esquerdo, pois estava acostumado com seu próprio rifle, que era de repetição. Felizmente o leão só pensava em fugir e não o atacou. No último momento Patterson disparou o cano esquerdo e atingiu o leão, sem detê-lo contudo. 

Como o burro ainda estava quase inteiro, Patterson supôs que um dos leões poderia voltar à noite e mandou construir um “machan” a uns três metros da carcaça, pois não havia qualquer árvore apropriada por perto. O “machan” tinha quatro metros de altura, constituído por quatro postes cravados no chão, inclinados para dentro, sustentando no topo uma tábua que servia de assento.

Ao anoitecer Patterson assumiu sua posição, e horas depois, na escuridão, ouviu o leão se aproximar denunciado por ligeiros ruídos no mato. Mas o leão ignorou a carcaça do burro e ficou mais de duas horas rodeando o “machan” e rugindo. Com os nervos à flor da pele, Patterson esperava que a qualquer momento o leão tentasse escalar a frágil estrutura ou pulasse até ele. Como se não bastasse, uma coruja veio voando e chocou-se contra sua cabeça, dando-lhe tremendo susto. Finalmente Patterson conseguiu distinguir a forma do leão o suficiente para tentar um disparo; o leão respondeu com tremendo rugido e começou a saltar em todas as direções. Patterson não podia mais vê-lo mas continuou atirando seguidamente na direção dos ruídos, que cessaram afinal. Só ao amanhecer Patterson desceu do “machan” e encontrou o leão morto, atingido duas vezes : uma bala entrou atrás do ombro esquerdo e atingiu o coração, e a outra atingiu uma perna traseira.

A morte do segundo leão, 29 de dezembro 1898. Por sorte o primeiro leão morto era o maior matador de pessoas, e Patterson não relata em seu livro novas mortes. Ele não diz o dia exato em que, ao vigiar as carcaças de algumas cabras mortas pelo leão restante, conseguiu acertá-lo no ombro usando uma espingarda de dois canos carregada com balas sólidas (slugs). O leão foi derrubado mas levantou-se e fugiu antes que Patterson pudesse usar o rifle.

Menciona então que decorreram uns dez dias de calma, até que na noite do dia 27 o leão reapareceu e tentou agarrar alguns indianos que dormiam em uma árvore, e ele só pôde espantá-lo a tiros. Na noite seguinte Patterson e seu ajudante Mahina ficaram na mesma árvore, na esperança que o leão voltasse. E voltou mesmo; Patterson conta que ficou fascinado ao observar a fera habilmente usar cada arbusto disponível para se aproximar despercebida. Esperou o leão se aproximar bastante, menos de vinte metros, e disparou seu rifle .303, acertando no peito, sem derrubá-lo. O leão fugiu em grandes saltos, e mais três tiros foram disparados, acertando o último.

Logo que amanheceu, Patterson arranjou um rastreador nativo e também levou 
Mahina com uma carabina Martini. Haviam percorrido menos de meio quilômetro quando o leão os atacou; o primeiro tiro somente o tornou mais furioso, e o segundo o derrubou. Mas o leão se levantou e continuou avançando, e um terceiro tiro não causou efeito aparente. Ao tentar pegar a Martini, Patterson descobriu que Mahina havia se apavorado e já estava no alto de uma árvore. Só restava a Patterson fugir também para a árvore, o que conseguiu por pouco. O leão, apesar de uma perna traseira quebrada por um dos tiros, quase o agarrou. Apoderando-se da carabina, Patterson atirou, e o leão caiu e ficou quieto. Empolgado, Patterson desceu da árvore imprudentemente e dirigiu-se para o leão, que imediatamente se levantou e atacou de novo. Mas um tiro no peito e outro na cabeça o mataram finalmente, e o leão tombou a menos de cinco metros de Patterson. Havia seis buracos de bala no corpo, e Patterson encontrou também uma das balas da espingarda cravada superficialmente na carne.

Patterson encerra o caso dos dois leões contabilizando não menos de 28 indianos mortos e um número não determinado de africanos.


Estudando os leões

O estudo de Yeakel e sua equipe é um bocado complexo, e se baseou na análise das proporções relativas de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio no colágeno de ossos e dentes, e na queratina dos pelos. Para isso usou amostras de tecidos dos dois leões, de herbívoros diversos e leões da mesma região, e de humanos. Como os tecidos se regeneram em velocidades diferentes, pode-se inclusive determinar a dieta média durante a vida toda (colágeno de ossos e dentes) e nos últimos meses ou semanas de vida (queratina dos pelos).

Para os leões atuais a análise indicou uma dieta exclusiva de herbívoros (grazers). O leão FMNH 23969 apresentou um resultado não muito diferente dos leões atuais, mas o outro (FMNH 23970), nos últimos meses de vida teria 30% de sua dieta formada por carne humana. Este leão é o que apresenta sérios defeitos nos dentes e teria sido o principal matador, e o outro deve ter se acostumado à carne humana ao partilharem a presa.

Outros pesquisadores ofereceram hipóteses para explicar o comportamento dos dois leões :
- A eclosão em 1898 de uma doença (Rinderpest disease) teria dizimado as presas usuais dos leões (herbívoros selvagens e gado doméstico), obrigando-os a procurar outra fonte de alimento.
- Os leões teriam se acostumado a encontrar cadáveres nas imediações do vau do Rio Tsavo. Caravanas de escravos vindas de Zanzibar passavam rotineiramente por ali.
- Cremação incompleta praticada por trabalhadores hindus da ferrovia. Os leões se habituaram a procurar os corpos e desenterrá-los.
- Um dos leões tinha os dentes severamente danificados (já mencionado). Nem 
todas as presas naturais dos leões se limitam a fugir, algumas revidaram o ataque. Girafas e zebras podem dar coices extremamente violentos, as zebras podem galopar e escoicear ao mesmo tempo (ver imagem). Um leão com a mandíbula fraturada é um leão morto, ele morrerá de fome. O leão FMNH 23970 pode ter levado um coice e ficado com os dentes defeituosos.

Quanto ao filme “A Sombra e a Escuridão” (“The Ghost and the Darkness”, 1996), considero-o um bom filme de aventura, com ótima fotografia e boa trilha sonora. Mas tem pouco a ver com os fatos narrados pelo Cel. Patterson em seu livro “The Man-Eaters of Tsavo and Others African Adventures”, publicado em outubro de 1907. O caçador profissional vivido por Michael Douglas jamais existiu, por outro lado, o vagão-armadilha realmente foi utilizado e falhou. O ataque ao hospital aconteceu.

Os leões treinados Bongo e César usados no filme, também aparecem em “George of the Jungle” de 1997, e são leões com juba, ao contrário dos originais. Acredito que a produção não tosou a juba dos leões para as filmagens porque achou que o público não aceitaria bem a imagem de leões sem juba.

A questão da falta de juba tem sido estudada, e causas como desequilíbrio hormonal (testosterona), parasitas e alimentação foram avaliadas. Um nível excessivo de testosterona poderia provocar um efeito similar à calvície nos leões e torná-los mais agressivos. Há inclusive casos documentados de uma situação oposta: leoas que desenvolveram jubas por desequilíbrio hormonal.


A foto mostra os dos leões em exposição no museu em Chicago.

A “Sombra e a Escuridão” assim era como os leões passaram a ser chamados

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